13 de janeiro de 2010

"Deus com um Milhão de Rostos"

[excerto de artigo]

Uma amiga minha, a quem chamarei Anne-Marie, fundou uma nova fé religiosa. Tal como outros sistemas de crenças ao longo dos tempos, a seita de Anne-Marie existe para lidar com as questões mais vastas da vida. Se eu lhe perguntar por que razão nascemos e o que acontece quando morremos, as suas respostas sugerem que o nosso tempo na Terra tem significado e propósito. Não importa se eu fico convencido ou não. A seita de Anne-Marie tem um membro, Anne-Marie, e é quanto basta.

Artista de profissão, Anne-Marie transformou a sua espiritualidade num acto criativo. As suas crenças são retiradas de muitas fontes, algumas antigas, outras novas. Quando Anne-Marie fala de karma e de reencarnação, ouço a influência do hinduísmo e do budismo. A sensação que tem da sacralidade de certos lugares na natureza é ao mesmo tempo tão nova como a ecologia profunda e tão antiga como o xintoísmo. É difícil dizer exactamente como se encaixa a física quântica neste quadro, mas ela diz que sim. Por baixo de tudo isto jaz o léxico ético da sua formação cristã, gasto pelo tempo mas ainda discernível, semelhante às ruínas de uma missão espanhola.

Quando lhe pergunto por que razão deixou a igreja da sua juventude, é directa. "Precisava de crenças que me dessem forças, e a religião organizada retira as forças," diz. "É falsa".

Anne-Marie é um dos muitos americanos que estão agora a cultivar formas de culto altamente pessoais. Aquilo a que os observadores chamam "espiritualidade pastiche" ou "religião à la carte" envolve a combinação de crenças diversas, ou mesmo ser-se membro de duas ou mais religiões distintas ao mesmo tempo. As variações possíveis são infindas — e, como avisam os críticos, o mesmo sucede com as hipóteses de nos perdermos pelo caminho. Ainda assim, abundam agora pelo país estes sistemas privados de crença, cada um ajustado às necessidades individuais do crente.

Há anos que os sociólogos seguem esta tendência; agora os teólogos estão a começar a perguntar-se como isto irá modelar a observância religiosa no futuro. Significará o fim das religiões com base agrária do antigo Médio Oriente e o nascimento de novas fés mais adequadas ao mundo moderno? Estará a emergir um único sistema de crença global, formado de elementos colhidos de todos os outros? O crescimento da consciência individual terá alcançado um ponto em que as antigas condutas da fé já não a comportam? Ou tudo não passa de uma reacção narcisista entre os baby boomers, ao aproximarem-se da terceira idade e da morte? (…)

— Jeremiah Creedon, in "God with a Million Faces", publicado em Utne Reader

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