11 de janeiro de 2010

"O Fim dos Peixes": excerto de artigo

Os nossos oceanos foram vítimas de um gigantesco esquema de Ponzi, perpetrado pelas empresas pesqueiras do mundo com uma calosidade digna de Bernie Madoff. Começando nos anos 50, à medida que as operações destas se industrializavam cada vez mais — com refrigeração a bordo, detectores acústicos de peixes e, mais tarde, GPS —, primeiro esgotaram os stocks de bacalhau, pescada, linguado e halibute do Hemisfério Norte. À medida que estes stocks desapareciam, as frotas deslocaram-se para sul, rumo às costas das nações em desenvolvimento, chegando finalmente às costas da Antártida, procurando  icefish e rockcods e, mais recentemente, pequenos krill semelhantes a camarões. À medida que diminuia a abundância das águas costeiras, as pescarias mudaram-se para o mar alto, para águas mais profundas. E, finalmente, à medida que os peixes maiores desapareciam, os barcos começaram a apanhar peixes mais pequenos e feios — peixes que nunca haviam sido considerados para consumo humano. Muitos tiveram os nomes mudados de modo a poderem ser colocados no mercado. O suspeito slimehead [cabeça de lodo] tornou-se o delicioso orange roughy, enquanto o preocupante peixe dentudo da Patagónia se tornou o saudável robalo chileno. Outros, como o caseiro hoki, foram cortados às fatias de modo a poderem ser dissimuladamente vendidos como douradinhos e filetes em restaurantes de fast food e na secção dos alimentos congelados.

Quem concretizou este esquema foi nada menos do que um complexo pesqueiro-industrial — uma aliança de frotas pesqueiras de grandes empresas, lóbistas, representantes parlamentares e economistas das empresas pesqueiras. Ao esconderem-se por trás da imagem romântica do pescador independente laborando em pequena escala, garantiram influência política e subsídios governamentais excedendo largamente o que seria de esperar, dada a sua minúscula contribuição para o PIB das economias avançadas — nos Estados Unidos, é menor mesmo do que a da indústria dos cabeleireiros. (…) Hoje, os governos providenciam anualmente quase 30 mil milhões de dólares de subsídios — cerca de um terço do valor da captura global —, que mantêm as pescarias a funcionar mesmo quando estas sobreexploraram a sua base de recursos. Como resultado, há entre duas e quatro vezes mais barcos do que a captura anual necessita, e no entanto os fundos para "aumentar a capacidade" continuam a chegar.

A brincadeira está contudo quase a acabar. Em 1950, a recém-constituída Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas estimou que, globalmente, estávamos a pescar por ano cerca de 20 milhões de toneladas métricas de peixe (bacalhau, arenque, atum, etc.) e de invertebrados (lagosta, polvo, amêijoas, etc.). Essa captura atingiu um pico de 90 milhões de toneladas no final dos anos 80 e tem vindo a declinar desde então. De um modo muito semelhante à infame operação de Madoff, que requeria um influxo de novos investimentos a fim de gerar "rendimentos" para os investidores anteriores, o complexo pesqueiro-industrial global tem precisado de um influxo constante de novos stocks a fim de continuar a funcionar. Em vez de reduzir as suas capturas de modo aos peixes poderem reproduzir-se e manter as suas populações, a indústria tem simplesmente pescado até um stock se esgotar, deslocando-se então para águas novas ou mais profundas, e para peixes mais pequenos e estranhos. E, do mesmo modo como um esquema de Ponzi entrará em colapso quando o reservatório de investidores potenciais secar, também a indústria pesqueira entrará em colapso à medida que os oceanos são secos de vida.

Infelizmente, não é apenas o futuro da indústria pesqueira que está em risco, mas também a saúde continuada do maior ecossistema do mundo. Enquanto a crise climática clama regularmente atenções de primeira página, as pessoas — mesmo aquelas que professam ter uma grande consciência ambiental — continuam a comer peixe como se fosse uma prática sustentável. Mas comer um rolo de atum num restaurante de sushi não devia ser considerado ambientalmente mais benigno  do que guiar um 4x4 ou arpoar um manatim. Nos últimos 50 anos, reduzimos as populações de grandes peixes comerciais, como o atum de barbatana azul, o bacalhau e outros favoritos, uns espantosos 90 por cento. Um estudo, publicado na prestigiada revista Science, previu que em 2048 todos os stocks de peixe comercial terão "colapsado", significando que gerarão 10 por cento ou menos do que as suas capturas máximas. Quer ou não esse particular ano, ou mesmo década, esteja correcto, uma coisa é clara: os peixes estão em grave perigo e, se eles estão, então nós também estamos. (…)

— Daniel Pauli, in "Aquacalypse Now", publicado em The New Republic

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