15 de janeiro de 2010

"Loucos Como Nós"

[post]

No final dos anos 90, a farmacêutica GlaxoSmithKline queria introduzir o Paxil, o seu antidepressivo campeão de vendas, no Japão, onde um temperamento nacional taciturno, uma elevada taxa de suicídio e problemas económicos persistentes pareciam compôr um mercado perfeito. Mas a ideia que tornara os antidepressivos tão lucrativos aqui [nos EUA] — que a depressão é uma doença crónica e disseminada — era largamente desconhecida no Japão. O gigante farmacêutico pôs a trabalhar os seus melhores cérebros do marketing, e o resultado foi o kokoro no kaze, "um frio da alma,", uma doença cerebral vulgar que, de acordo com os anúncios, nos pode matar caso não seja tratada. Em 2008, os japoneses estavam a gastar mil milhões de dólares por ano em Paxil.

A comercialização da depressão no Japão é uma das quatro histórias sobre a exportação de doenças mentais que Ethan Watters conta no seu interessante novo livro [Crazy Like Us]. Num estilo jornalístico escorreito, argumenta que aquilo que a indústria psiquiátrica americana exporta não é tanto medicamentos como doenças. É uma estratégia tornada possível pelo Manual Diagnóstico e Estatístico das Doenças Mentais [MDEDM], da Associação Psiquiátrica Americana [APA], o qual enumera os sintomas constituindo as diversas perturbações mentais que, segundo o Instituto Nacional de Saúde, afectarão 30 por cento dos americanos durante as suas vidas. À medida que a aproximação estandartizada das listagens do MDE se espalha pelo mundo, diz Watters, não apenas muda a forma como os psiquiatras processam os diagnósticos, mas também a maneira como as pessoas sentem e exprimem o seu sofrimento psicológico.

Watters leva-nos a Zanzibar, onde a "possessão por espíritos" está a ser substituída pela esquizofrenia, e ao Sri Lanka, onde a PPST [Perturbação Pós-Stress Traumático] foi espalhada como um vírus por conselheiros de trauma ocidentais que disseram aos sobreviventes do tsunami exactamente como deviam reagir ao rescaldo de um desastre. Em cada uma das suas histórias, Watters descreve vividamente a maneira como esta espécie de promoção de doenças promulga uma "metafísica universal da experiência emocional" — e, por extensão, da natureza humana. Isto leva a uma ironia profunda e perturbadora: ao substituir crenças locais válidas sobre a identidade e a cura pelo eu hiperindividualizado que a APA considera mentalmente saudável, "estamos a acelerar as mudanças desorientadoras… que se encontram no âmago de grande parte dos problemas mentais do mundo".

— Gary Greenberg, in "Crazy Like Us", publicado em Mother Jones

Sem comentários:

Enviar um comentário