11 de janeiro de 2010

"Os Limites do Multiculturalismo"

[excerto de post de David Byrne]

(…) Na Holanda, o lugar mais tolerante do planeta, está a tornar-se gradualmente aceite que a tolerância tem de valer para ambos os lados; por outras palavras, espera-se que os imigrantes muçulmanos se tornem "holandeses" em alguns aspectos — mesmo os seus confrades muçulmanos em Amesterdão têm esta expectativa. O que significa que os imigrantes devem aceitar a existência de uma longa tradição de tolerância na Holanda, e especialmente em Amesterdão, e que se vamos mudar-nos para a Holanda deveríamos esperar aceitar esta maneira de pensar tipicamente holandesa. A comunidade muçulmana, por exemplo, tem de se habituar à existência de um bairro com sex shops e mulheres pouco vestidas nas janelas, a que casais do mesmo sexo se possam beijar nas ruas, e à vista de coffee shops que vendem haxixe. O acordo implícito é que viver na Holanda significa que se aceitam coisas destas, por mais que as consideremos de mau gosto. Os holandeses, evidentemente, permitem que a população muçulmana local mantenha também os seus costumes — desde que se encaixem e não façam muitas exigências.

Isto é uma mudança de uma atitude provocatória que, há alguns anos, resultou na morte de Theo van Gogh. Ele fizera um filme que deliberadamente atiçava e provocava a população muçulmana holandesa, em colaboração com Ayaan Hirsi Ali, que recebeu ameaças de morte e agora está sob protecção do governo — e se encontra envolvido com o American Enterprise Institute, um think tank americano de direita. O seu filme de 10 minutos apresenta uma mulher nua vestida com um chador transparente, com versos corânicos justificando a submissão da mulher escritos no seu corpo. Tal como os cartoons dinamarqueses [representando Maomé como um bombista], isto foi encarado pelos muçulmanos como uma provocação deliberada... e também muito grosseira. Trata-se, poderíamos considerar, de fascismo liberal.

Não que van Gogh merecesse morrer. Os holandeses mobilizaram-se e manifestaram-se após a sua morte, e encararam o assassínio como uma tentativa de abafar a liberdade de expressão — de implicar que a expressão pública e a crítica têm limites. Alguns advogados da liberdade de expressão insistem que deve ser-nos permitido dizer e exprimir o que quer que seja, excepto o encorajar da violência. Outros consideraram que o filme era ofensivamente provocatório — de certo modo, encararam o incidente como se os realizadores do filme estivessem a pedi-las. Os advogados da liberdade de expressão consideram que esta é absoluta, e que as pessoas deviam poder dizer seja o que for, dado tratar-se "apenas de palavras".

Ian Buruma, um escritor de ascendência holandesa, escreveu sobre este incidente e as questões que ele suscita. Argumenta que a liberdade de expressão não devia ser considerada absoluta — e que pensar em termos de absolutos conduz sempre ao desastre. Diz que estamos sempre a limitar a nossa liberdade de expressão — lembro-me de o fazermos à volta da família e dos parentes durante as férias do Natal —, e fazemo-lo em prol do convívio, para permitirmos que a sociedade funcione, pela nossa felicidade e pela felicidade dos outros. Não é necessariamente uma mentira não despejarmos da boca para fora a feia verdade sempre que pensamos nela. Durante as férias do Natal, não chateamos o Tio Harry por pentear sobre a careca o cabelo que lhe resta, porque sabemos que fazê-lo se limitaria a tornar a reunião ainda mais tensa do que ela já é — e quem ganharia com uma tal honestidade insensível? Abafar só um bocadinho a liberdade de expressão, com alguma autocensura subtil, torna a vida mais agradável para todos. (…)

— David Byrne, in "The Limits of Multiculturalism", publicado em David Byrne's Journal,

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