11 de janeiro de 2010

"A Audácia de David": excerto de artigo

Mesmo aos vinte anos, eu podia regressar sempre aos ouvidos atentos da minha mãe.

De modo que irrompi pelo seu quarto dentro e contei-lhe como a vida me deixara ficar mal.

"Espero demasiado das pessoas", disse eu. "Honestidade, responsabilidade, sensibilidade — e elas deixam-me sempre ficar mal".

"Bem, dentro de uns dias estarás em Florença," replicou ela. "Verás o David e talvez descubras finalmente algo que é perfeito exactamente tal como é".

Estremeci perante este non sequitur aparentemente evasivo, recordando-lhe que David é uma estátua, e que os meus problemas não são o resultado da arte, mas antes de fraquezas humanas. "Sim," concordou, "mas aquilo que deves recordar é que a estátua foi feita só por um homem. Acho que é algo que compreenderás quando a vires". (…)

Quase 30 anos antes, o meu avô vira a obra prima de mármore e jurara que, durante horas, homens e mulheres de todas as idades se sentavam captivados à volta da sua base. Agora, com a estátua a meros momentos de distância, a combinação do seu entusiasmo e da certeza da minha mãe parecia insuportável. Preparei-me para a inevitável desilusão emocional.

Havia pelo menos um pequeno conforto nos escravos que me esperavam ao virar da esquina. Embora eu não seja de modo algum um perito na planta do museu, sabia que as quatro estátuas amarradas, quebradas e inacabadas de Miguel Ângelo precediam o David. Grato por ter um impedimento final, atravessei para o corredor na expectativa de ver os escravos — apenas para os descobrir ensombrados, tanto literal como figurativamente, pelo matador de gigantes que se impunha à distância. Aí se erguia o próprio David, de repente espectacular perante os meus olhos, refulgindo à luz da tarde.

E compreendi de imediato que isto era a perfeição (…)

— Christopher Seneca, in "The Audacity of David", publicado em World Hum

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