11 de janeiro de 2010

"O Cálice e a Espada"

[excerto de livro]

(…) No nosso tempo, quando "um amor à paz, horror à tirania e repeito pela lei" poderão ser necessários para a nossa sobrevivência, o interesse que apresentam as diferenças entre o espírito [da civilização minóica] de Creta e o dos seus vizinhos não é meramente académico. Nas cidades cretenses desprovidas de fortificações militares, nas vivendas "desprotegidas" à beira-mar, e na ausência de quaisquer indícios de que as várias cidades-estado da ilha se guerreassem umas às outras, ou se envolvessem em guerras agressivas (em nítido contraste com as cidades amuralhadas e a guerra crónica que eram já a norma no resto do mundo), descobrimos a firme confirmação, oriunda do nosso passsado, de que as esperanças de coexistência pacífica não são, como nos dizem com frequência, "sonhos utópicos". E nas imagens míticas de Creta — a Deusa como Mãe do universo, e os seres humanos, os animais, as plantas, a água e o céu como suas manifestações terrenas — descobrimos a constatação da nossa unicidade com a natureza, um tema que agora emerge também como pré-requisito para a sobrevivência ecológica.

O mais notável talvez, porém, em termos da relação da sociedade com a ideologia, é a arte cretense parecer reflectir, em particular no período minóico mais antigo, uma sociedade na qual o poder não é equacionado em termos de dominação, destruição e opressão. Nas palavras de Jacquetta Hawkes, uma das poucas mulheres a escrever sobre Creta, aqui encontra-se ausente "a ideia do monarca guerreiro triunfando através da humilhação e do massacre do inimigo". Em Creta, onde soberanos venerados, vivendo em esplêndidos palácios, detinham grandes riquezas e poder, não existem praticamente indícios destas manifestações de orgulho masculino e de crueldade cega.

Igualmente espantosa, e reveladora, é a ausência, na arte da Creta minóica, de quaisquer cenas grandiosas de batalhas ou caçadas. "A ausência destas manifestações do soberano masculino todo-poderoso, que por esta altura e nesta fase de desenvolvimento se encontram espalhadas a ponto de serem quase universais," comenta Hawkes, "é uma das razões para supôr que os tronos minóicos possam ter sido ocupados por mulheres". (…)

— Riane Eisler, in O Cálice e a Espada, edição Via Óptima

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