11 de janeiro de 2010

"Causa e Efeito na 'Guerra ao Terror'"

[excerto de artigo]

(…) Apesar de toda a conversa, infinda e excitante, sobre o último ataque Terrorista [quando, a 25 de Dezembro de 2009, Umar Farouk Abdulmutallab tentou detonar uma bomba a bordo de um voo de Amesterdão para Detroit], uma questão está como de costume conspicuamente ausente: o motivo. Por que razão um jovem nigeriano pertencendo a uma família abastada e bem relacionada haveria de querer fazer-se explodir num dos nossos aviões juntamente com 300 pessoas inocentes, e por que razão extremistas sauditas e iemenitas haveriam de querer habilitá-lo a fazer isso? Quando se trata de Terrorismo, declarou-se desde o início que debater os motivos era mais ou menos tabu, devido à desonesta equação do debate dos motivos com a justificação destes — como se compreender as razões por que X acontece seja positar que X é legítimo e justificável. A causação simplesmente é: nada tem a ver com questões de moralidade, culpa ou justificação. E todavia tudo quanto é permitido dizer-se em tais situações é que os Terroristas tentam fazer-nos mal porque são Maus, e nós (como é evidente) não somos, em geral sendo esse o fim do debate.

Apesar deste tabu, acabam sempre por emergir factos sobre esta questão. Tal como numerosos despachos noticiosos indicaram, o grupo da Al Qaida na Península Arábica disse que este ataque tentado foi em "retaliação" pelos múltiplos ataques com mísseis no Iémen nos quais morreram numerosos civis muçulmanos inocentes, bem como pelo apoio multifacetado concedido pelos EU ao governo, não exactamente democrático, do Iémen. Isto assemelha-se às notícias de que Nidal Hasan foi motivado a atacar Fort Hood* porque "estava perturbado pelo massacre de muçulmanos no Iraque e no Afeganistão". E descobre-se esta citação de um responsável iemenita anónimo anexada ao final do artigo do New York Times desta semana anunciando a "o alargamento da guerra ao terror" no Iémen — como se se tratasse apenas de uma reflexão secundária:

"O problema é que o envolvimento dos Estados Unidos cria simpatia pela Al Qaida. A cooperação é necessária — mas não há dúvida de que tem um efeito no homem comum. Ele simpatiza com a Al Qaida".

Como sempre, o aspecto causador de maior perplexidade da reacção ao último episódio terrorista tentado é a confusão que é professada e a farisaica inocência que é universalmente expressa. Quer isso se justifique ou não, estamos constantemente a despejar morte no mundo muçulmano. Não o vemos muito, mas eles vêm-no decerto. De novo, e independentemente da justificação, o que pensamos nós que acontecerá se invadirmos, ocuparmos e bombardearmos continuamente países muçulmanos, e armarmos e habilitarmos outros a fazê-lo? Não é óbvio que as nossas acções militares em cinco frentes [Iraque, Afeganistão, Somália, Paquistão e Iémen] farão com que pelo menos alguns muçulmanos — sujeitos a imagens constantes de tropas americanas presentes no seu mundo e de civis muçulmanos mortos às nossas mãos — queiram retribuir a violência? Basta olharmos para os sanguinários sentimentos que mesmo um ataque Terrorista falhado desencadeou entre os americanos. Que sentimentos pensamos nós que estamos a desencadear com uma "guerra" que dura há uma década (e se prolonga e expande) em frentes múltiplas no mundo muçulmano? (…)

* A 5 de Novembro de 2009, o major Nidal Hasan, de religião muçulmana e servindo como psiquiatra no exército americano, matou 13 pessoas e feriu 30 na base militar de Fort Hood, no Texas.

— Glenn Greenwald, in "Cause and Effect in the 'Terror War'", publicado em Salon

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