11 de janeiro de 2010

"Uma Obsessão Natural"

[excerto de artigo]

(…) o que pode ter começado com uma revolta contra a comida artificial ou, para muitos, contra os horrores da criação concentrada de animais, deu lugar a uma cultura que fetichiza os alimentos orgânicos, naturais e integrais, com pouca concordância sobre o que esses termos significam de facto, à excepção de uma devoção enfática àquilo que esses alimentos não são. Eles não estão de modo algum relacionados com explorações agrícolas em escala industrial ou com redes retalhistas de bens alimentares, com herbicidas ou pesticidas químicos, com biotecnologia ou com o seu subgénero, a engenharia genética. E, segundo estes critérios, considera-se que estes alimentos são mais seguros, mais nutritivos e menos lesivos para o ambiente.

Porém, uma escrutinização mais cuidadosa destas suposições pouco revela que as confirme. Como Michael Specter assinala no livro que se apresta a lançar, Denialism, o mercúrio, o chumbo e o amianto também são "naturais", assim como o são a E. coli e a salmonela. Em 2009, um surto de salmonela matou nove pessoas, fez adoecer centenas e desencadeou a maior retirada de produtos alimentares da história dos EUA. Entretanto, os produtos geneticamente modificados, apesar de estarem no mercado há mais de 13 anos, não fizeram adoecer ninguém, diz Specter.

Nutricionalmente, não há indícios claros de que os alimentos orgânicos sejam melhores do que os convencionais. Num estudo recente, investigadores financiados pelo Centro Internacional para a Investigação de Sistemas Alimentares Orgânicos, na Dinamarca, compararam couves, ervilhas, batatas e maçãs cultivadas organicamente com outras cultivadas segundo as prescrições convencionais. Durante dois anos, alimentaram também ratinhos tanto com alimentos orgânicos como com convencionais. "No seu conjunto, não havia nenhuma tendência evidente apontando para diferenças nos elementos contidos nos alimentos ou nas dietas devido ao uso de sistemas diferentes de cultivo," concluíram no Journal of the Science of Food and Agriculture. Nem os vegetais orgânicos nem os ratos alimentados com eles revelaram ser algo mais do que vulgares.

Quanto a estimar a pegada ecológica, o número de estudos contraditórios é estonteante, mas a agricultura orgânica tende a ganhar uma ligeira vantagem em relação a práticas convencionais quimicamente intensivas, sobretudo por usar menos pesticidas e fertilizantes baseados no petróleo. Por exemplo, o ecologista David Pimentel, da Universidade de Cornell, mostrou que colheitas de soja cultivada organicamente produziam o mesmo rendimento mas usavam 30 por cento menos energia do que as suas contrapartes cultivadas de forma convencional. Cientistas suíços descobriram que os inputs energéticos cumulativos aplicados à agricultura orgânica são cerca de metade dos da agricultura convencional e usam 97 por centro menos pesticidas — embora as colheitas sejam também dramaticamente menores.

Levem-se porém em conta os custos de transporte dos alimentos — "as milhas alimentares" —, e essas eco-margens desaparecem rapidamente. Em 2005, investigadores britânicos estimaram que as "poupanças ambientais" do abastecimento local de alimentos excediam as de toda a agricultura orgânica em aproximadamente 2:1. Isto é, uma maçã cultivada organicamente no Estado de Washington e transportada por estrada para um mercado de agricultores quase de certeza lança mais carbono para a atmosfera do que uma maçã cultivada convencionalmente no local e comprada num grande retalhista. (…)

— Maywa Montenegro, in "A Natural Obsession", publicado em SEEDMAGAZINE

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