11 de janeiro de 2010

"Legalização: Os Primeiros Cem Anos"

[excerto de post]
Hoje em dia, quando a ideia de legalizar as drogas está a abrir caminho na agenda política mainstream pela primeira vez desde que há memória, uma das objecções mais comuns a ela é que representa uma experiência de alto risco cujo desfecho é impossível de modelar ou prever com precisão. Todavia, dentro do contexto histórico, o oposto é que é verdade: a proibição de drogas é que é a ousada experiência sem precedentes. Há cem anos, qualquer um de nós podia ter entrado numa drogaria da rua principal e comprado ao balcão cannabis ou cocaína, morfina ou heroína. Nesta altura, as drogas alteradoras da mente tinham estado livremente disponíveis ao longo da História e através de quase todas as culturas, a sua proibição, pressionada em grande medida pelo objectivo de eliminar o álcool das sociedades modernas, tendo representado um corte radical com o costume tradicional das políticas sociais.

Nem se deu o caso de a proibição das drogas ter sido uma reacção à sua súbita aparição nas sociedades ocidentais. Em 1800, praticamente as únicas drogas que eram familares ao Ocidente eram o álcool e o ópio; mas em 1900, a constelação de substâncias que formam a categoria moderna das drogas ilícitas — os opiáceos, a cocaína, os estimulantes e os psicadélicos — tinham todas encontrado os seus nichos no interior de uma cultura consumista alimentada pelas descobertas científicas e a expansão do comércio mundial. O século XIX, tipicamente considerado uma era de repressão, proibidade moral e controle social, podia também ser etiquetado como "Legalização das Drogas — Os Primeiros Cem Anos" (Jay 2000).

Os decisores políticos actuais podem aprender muito com esta era. Não apenas foi nela que se inauguraram, com diversos graus de sucesso, a maioria das políticas hoje em debate — controlo estatutório e regulamentação, supervisão médica e exclusão legal —, mas a disponibilidade legal das drogas oferece um vislumbre sobre como o público em geral lidava originalmente com os seus benefícios e perigos, e como as diversas substâncias encontraram os seus próprios níveis de uso no interior da sociedade em geral. Evidentemente, a História tem os seus limites: não pode dizer-nos tudo, e não pode esperar-se que se repita exactamente. A cannabis, por exemplo, foi legal através do século XIX, e por diversas razões os seus níveis de uso mantiveram-se bastante baixos: se fosse legalizada amanhã, dificilmente esperaríamos que a sua prevalência caísse para níveis do século XIX. Mas ainda assim a História ilumina muitas das dinâmicas subjacentes ao debate moderno sobre as drogas, a menor das quais não é possibilitar a distinção entre as consequências das próprias drogas e aquelas que apenas se seguiram uma vez que o seu uso fora proibido.

(…) O último século de políticas sociais transformou a nossa relação tradicional com as drogas em algo que é novo e singularmente problemático, para o qual a História não oferece qualquer solução à medida. Serve contudo para lembrar que a droga que apresenta os problemas mais óbvios de saúde pública é o álcool, e que embora a política em relação ao álcool continue a ser altamente problemática, tem demonstrado em geral que a melhor maneira de lidar com ele não é a proibição mas sim a socialização sob uma cobertura de regulamentação estatutória e educação. A História oferece também uma ilustração de como uma sociedade legalmente permeada pelas actuais drogas ilícitas costumava funcionar, e mostra que níveis elevados de prevalência geral de drogas podem coexistir com baixos níveis de uso problemático. Finalmente, oferece uma oportunidade de avaliar as ferramentas de controlo e regulamentação que poderiam constituir uma alternativa à nossa política actual, as quais, uma vez que uma proibição completa não conseguiu impedir a disponibilidade de qualquer droga, provaram historicamente ser a reacção mais eficaz.

— Mike Jay, in "Legalisation: The First Hundred Years", publicado em Brainwaving

Sem comentários:

Enviar um comentário