11 de janeiro de 2010

"Nós Não Somos 'Gadgets'"

[excerto de entrevista a Jaron Lanier]

(…) P: Argumenta que a web não está a corresponder à sua promessa inicial. Como é que a internet transformou as nossas vidas para pior?

Jaron Lanier: O problema não é inerente à Internet ou à Web; a deterioração só começou por volta da viragem do século com a ascenção dos designados designs "Web 2.0". Estes designs conferiam mais valor ao conteúdo informativo da web do que aos indivíduos. Tornou-se moda agregar as expressões das pessoas em dados desumanizados. Há tantas coisas erradas com isto que é preciso um livro inteiro para as sumariar. Eis só um dos problemas: Lixa a classe média. Só o agregador (como a Google por exemplo) enriquece, enquanto os produtores reais de conteúdo empobrecem. É por esta razão que os jornais estão a morrer. Pode parecer que se trata apenas de um problema para as pessoas criativas, como músicos e escritores, mas acabará por ser um problema para todos. Quando algum dia os robôs conseguirem reparar as estradas, as pessoas terão empregos a programar esses robôs, ou os programadores humanos estarão de tal forma agregados que trabalharão essencialmente de graça, como os actuais músicos que gravam discos? A Web 2.0 é uma fórmula para matar a classe média e destruir séculos de progresso social. (…)

P: Por que razão a ideia de que "o conteúdo quer ser livre" (e a adopção implacável deste conceito) foi um revés tão grande? A que perigos acha que isto vai conduzir?

JL: A formulação original da frase era "A informação quer ser livre". E o problema com isso é que antropomorfiza a informação. A informação não merece ser livre. É uma ferramenta abstracta; uma fantasia útil, um nada. É não-existente até e a não ser que uma pessoa a experiencie de um modo útil. O que fizemos na última década foi dar à informação mais direitos do que se dão às pessoas, Se nos exprimirmos na internet, o que dissermos será copiado, amassado, anonimizado, analisado e transformado em tijolos na fortaleza de outrem para apoiar um esquema publicitário. Porém, a informação, a abstracção, que nos representa está protegida no interior dessa fortaleza e é absolutamente sacrossanta, o novo sanctus sanctorum. Jamais a vemos e não temos permissão para tocar-lhe. Este é exactamente o conjunto errado de valores. (…)

P: Donde que os indivíduos não estão a ganhar dinheiro com o trabalho que fazem — mas alguém está. Quem é que em geral lucra com o conteúdo que o colectivo cria de graça?

JL: O único modelo de negócios para a informação agregada ou colectivizada — informação que não é comprada e vendida directamente — é a canalização de publicidade. Tudo excepto a publicidade torna-se grátis. Não são os anunciantes quem enriquece a longo prazo pois há cada vez menos coisas para vender, além de anúncios. É o dono da bolsa de anúncios quem enriquece. Neste momento, para quase todos os efeitos, isto significa a Google, embora na esfera financeira haja outras entidades que desempenham um papel análogo. (Devo dizer que conheço pessoalmente a malta da Google e que gosto deles. Eles não tinham um plano maléfico — mas descobriram-se efectivamente num nicho que é problemático.)

Financiar uma civilização através da publicidade é como tentar conseguir nutrição ligando um tubo indo do nosso ânus até à nossa boca. O corpo começa a consumir-se a si próprio. É isso que estamos a fazer online. À medida que cada vez mais actividade humana é agregada, as pessoas aglomeram-se em redor dos últimos oásis remanescentes de rendimento. Os músicos actuais talvez ainda consigam ser pagos para fazerem música para jogos de vídeo, por exemplo, porque os jogos ainda são jogados em consolas fechadas e para já não foram colectivizados.

Como afirmei acima, à medida que a tecnologia melhora, e os robôs conseguem fazer cada vez mais coisas, a economia no seu todo torna-se cada vez mais uma actividade cultural. Assim, o que fizermos hoje à nossa cultura é o que faremos à totalidade da economia, e da civilização. num futuro próximo. (…)

— entrevista por Erinn Hartman, in "We Are Not Gadgets"

Criador da tecnologia da realidade virtual e considerado um guru da internet, o cientista informático Jaron Lanier é o autor de You Are Not a Gadget, obra em que argumenta a favor de um humanismo digital.

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